A era da espetacularização da intimidade

OPINATIVO: ainda existe algo da vida das pessoas públicas que fique na esfera privada?
Os estudos não nos deixam mentir: o formato reality show é tão ou mais viciante do que o açúcar e outras substâncias químicas. Quanto mais acompanhamos um perfil, mais queremos consumi-lo. É um comportamento de dependência: não queremos assistir, mas parece que simplesmente precisamos. E esse ciclo se repete em um cenário que parece não ter fim. Pronto. Estamos diante do vício de, como diria Pedro Bial, dar uma espiadinha na vida alheia.
Sim – é fato que, de um lado, recursos como o stories ajudaram a aproximar personalidades dos seus seguidores. Do outro, porém, personalidades começaram a ter ainda mais clareza de que abrir a intimidade dá dinheiro, muito dinheiro – porque dá audiência e audiência é hoje uma das moedas mais valorizadas do mundo.
E o que isso significa? Que a partir desse fluxo, desenhava-se a era da espetacularização da intimidade, um momento na história em que abrir aquilo que é íntimo deixou de ser constrangedor para tornar-se um recurso de engajamento que visa views sem se importar com virtudes. Descobriram que vender a intimidade pode ser mais lucrativo do que petróleo e têm feito isso de forma sucessiva, sem qualquer sinal de filtro (com o perdão do trocadilho).
Logicamente nós, espectadores, temos pleno entendimento de aspectos como a individualidade artística, liberdade de expressão, posicionamento estratégico e o cenário no qual estamos inseridos (são tempos modernos). No entanto, isso não deveria nos impedir de lançar um olhar crítico para a exposição de cenas sensacionalistas, para falas que trazem a intimidade de um casal e outros pontos que me fazem pensar que há tanto desespero para se tornar e permanecer uma pessoa pública, que abandonou-se a noção do que é uma vida privada. Estamos construindo uma geração cujos famosos não serão conhecidos pelo conteúdo, mas pela intimidade. E isso é alarmante: de uma forma ou de outra, está todo mundo pagando essa conta – quem vende e quem assiste.
Há quem chame de efeito Virgínia. Discordo. O nome é outro: epidemia.
Quando falta bom senso, falta tudo.